sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Desobrigação

Eu gosto da chuva forte porque ela te desobriga de fazer qualquer coisa. Ela é a desculpa perfeita pra não sair de dentro de você mesmo, não ir à rua, não telefonar, não comprar pão.

Ela deixa espaço para o que quer que você queira fazer, um intervalo mágico que pode ser aproveitado para o silêncio total e a falta de movimentos repetidos que tanto cansam todos os dias.

Depois dela, com a rua se enchendo aos poucos das pessoas com cara de que foram jogadas da cama com um empurrão direto para a calçada ainda com poças, há ainda a chance de dizer que a culpa é da mudança climática.

"E essa chuva, hein?"
"Você viu o temporal de ontem?"
"A previsão do tempo falou mas eu não acreditei."
"O trânsito parou na cidade toda, foi um caos." (pessoas dentro de seus carros aliviadas pela desobrigação mas fingindo stress pra não sair do papel de cidadãos ocupados e nervosos que lhes foi concedido)

E o atraso, o não cumprimento de prazos, a falta de atenção, o sumiço. Tudo perdoado.

A chuva é o atestado de ausência coletivo e simultâneo, a permissão que uma cidade inteira recebe para cancelar temporariamente a rotina e desaparecer da vista do resto do mundo.