sábado, 20 de junho de 2015

De não escrever mais

Eu transformo o meu mundo em palavras. Como se precisasse de algo mais além de ver e sentir. Eu transformo sentimentos em ideias e ideias em frases. E então, às vezes, me surpreendo quando apenas sinto, sem expressar nada sobre isso, nem dentro da minha mente. É parecido com um sentimento que a gente tem quando é criança e só olha pro mundo, sem tirar nenhuma conclusão.

Depois que cresci, tudo precisou ter um sentido, ou eu achei que tudo precisava ter um. Apenas existir não era mais suficiente. Explicações, sentidos, respostas, soluções. E eu vivendo os dias a transformar minha visão em palavras. Se não tinha palavras, não existia. E eu escrevia. Bastante, quase todos os dias. E, pela minha visão, validava a minha própria existência fazendo isso. Eu escrevia, eu existia, uma coisa equivalia à outra.

Em algum momento isso passou a ser cansativo.Eu parei de escrever, pelo menos com a frequência de antes, do jeito de antes. E parei de publicar, também. 

Não que as ideias não estejam mais comigo, apenas não paro para dar forma a nenhuma delas. Aliás, elas estão sempre por perto. Escrevo em e-mails que não envio. Até mesmo escrevo posts que ficam em modo rascunho para sempre. Escrevo em cadernos de diferentes cores e tamanhos, mas nunca em um lugar só. Escrevo sem colocar a data, na esperança de que aquilo valha pra sempre ou que eu não me lembre de quando foi escrito.

E talvez, também, deixei um pouco de lado a escrita quando fui vendo que o mundo está mais interessado em imagens, já que elas traduzem todo um contexto e captam a atenção e ainda economizam o tempo das pessoas. As imagens vão dominar o mundo.

Mas eu ainda preciso escrever. Escrever é a falta que sinto quando sinto que as coisas estão meio sem graça. Escrever me livra de uma angústia que aparece do nada e me mostra que nada alivia mais ela do que organizar sentimentos e ideias enquanto eles vão aparecendo, um a um, no carrossel da minha mente.

E eu tenho lá minhas desculpas pra não fazer mais tanto isso. Mas, como em muitas outras coisas que uso desculpas, sei que nesse caso também são apenas subterfúgios pra deixar de lado uma coisa que poderia me dar muita alegria mas prefiro não fazer porque senão... como aguentar a felicidade que isso me traria?

E olha aí, de tanto precisar dizer por quê não escrevo mais, acabei escrevendo. 

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Meu conselho seria apenas um: livre-se do drama

Se eu pudesse escrever apenas um capítulo num livro em que cada pessoa no mundo pudesse escrever um conselho (olha que ideia boa), esse conselho seria: livre-se do drama.

Isso porque o excesso de drama na vida - o drama comportamental, emocional, aquele que a gente joga um salzinho a mais pra coisa ficar mais forte, ele transforma a vida em um túnel em que não vemos mais o fim, com tantos sobressaltos e cores exageradas.

Drama na vida todo mundo tem, você há de convir comigo. A gente fica doente, perdemos entes queridos, o emprego às vezes vai embora e tem momentos (meses, anos, o resto da vida) que o dinheiro simplesmente não existe, acontecem acidentes, perdemos o foco e a vontade, fazemos putas besteiras. Escolhemos as pessoas erradas para amar. Somos amados mal e porcamente por essas pessoas. Causamos problemas na vida alheia (por querer ou sem perceber). Nos enfiamos em processos judiciais. Sofremos assédio moral. Ou coisa pior. Perdemos animais de estimação. Perdemos o bilhete premiado da mega sena. Perdemos o pai, o avô, vemos uma pessoa morrer na nossa frente sem conseguir fazer nada. Definhamos. Envelhecemos. Cometemos crimes.

Sofremos, e muito. É totalmente humano. Mas existe uma porção em nós que se apega a esse sofrimento e estica ele, que nem chiclete. A gente se apega, parece que não há outro modo de vida senão respirar para aguentar o sofrimento que está ali. Transformar o drama em modo de vida é algo que acontece mais do que a gente imagina. É uma razão pra existir, se tudo o mais se foi (ou se apenas parece que tudo o mais se foi). É um motivo para reclamar se não te dão atenção de outra forma. É uma razão para ter dó de si mesmo e razões para não ser responsável pelo próprio fracasso ou sucesso. É, a gente sofre até pra se boicotar e assim, mascarar um medo de ter sucesso.

Sofrer (de forma consciente) te dá uma desculpa. Algumas pessoas usam ela melhor do que outras. É uma desculpa para passar por cima dos outros, para ignorar as próprias necessidades ou para fingir que o mundo parou enquanto o sofrimento continua do seu lado. "Meu Deus, como eu sofro."

É infinito. É um ciclo maldito, um sistema de retroalimentação que corrói a alma. Eu sofro com determinada coisa, então isso me magoa, então eu sofro por estar magoada, então eu tenho raiva da situação, então percebo que as coisas não mudam... Então eu sofro mais!

Eu me lembrei de escrever sobre isso porque ouvi uma música - de uma cantora que adoro. A música fala do sofrimento que é sentir algo não correspondido e como é enfrentar a noite sob essa perspectiva. Na música é lindo. Na vida, horrível. Mas, a gente se apega. A qualquer mísero drama.

Colocar o sentimento na frente como se fosse um escudo - e como eu demorei pra enxergar isso, minimamente - o tempo todo, faz isso com a gente. Tudo vira drama. E não é assim. Mas quando a gente aprende, sabe-se lá por quê, que sofrer é sinônimo de ter uma vida, a coisa pega.

Um relacionamento que é um problema passa a significar apenas um relacionamento que "te dá emoção" (pfff). Trabalhos cheio de pressão e stress te fazem se "sentir viva". A rotina maluca em que você não tem tempo para almoçar é celebrada como sinônimo de sucesso profissional. As coisas são difíceis, eu sei, mas quem disse que há outro modo de viver? Um modo em que a gente consiga elimiar o que pode ser eliminado e, então, apenas aprender a resignificar as coisas, aceitando que toda vida tem seus problemas, e isso em si, não é o fim do mundo? E a gente reclama, mas continua fazendo as mesmas coisas e alimentando o sistema interno viciado no drama. Reclama e se entrega a algo que parece que não tem jeito, mesmo.

E tem, gente, tem sim. Viver não é sinônimo de sofrer. Os dramas deveriam ser os pontos baixos da vida, não o pico de emoção. Deveríamos repelir ele, não abraçar como motivo de orgulho. E, repito: sofrer por amor não é, necessariamente, ter de fato um amor. Não um que valha a pena. É, sim, amar de forma doentia. Não é assim que tem que ser. Não precisa!

Amar não tem de ser sofrido. Amar não é sacrifício e corrente amarrada no pé. É leveza, é querer, é ter vontade de continuar. Não é ter crise de pânico por qualquer coisa relacionada a esse amor, não é ter de abrir mão das escolhas, aguentar o que vier e ficar ali, segurando o escudo do sentimento próprio e alheio.

A música me lembrou isso. E me vi livre dessa prisão de sofrimento eterno, de querer as coisas erradas da maneira como eu achava que era certo - e (nem de longe) eram as melhores pra mim. Me livrei de viver das formas mais idiotas apenas porque a maioria diz que é o que tem de ser feito.

E aí, bem, o mundo não muda magicamente quando você passa a ver que o drama não é necessário. Coisas ruins continuam a acontecer. Mas aí você vê que é com todas as pessoas. E que a vida é apenas uma sequência de coisas e acontecimentos. E que, se der pra simplificar, sempre vai valer a pena.

Acho que daí vêm dois pensamentos importantes:
1. As coisas ruins não acontecem apenas porque "você é você" e o mundo conspira. O mundo gira e as coisas giram junto, sinto muito se você está no meio do furacão. Todos estamos - lide com isso.

2. Se tem coisa ruim rolando na sua vida e você pode consertar, vá lá e faça. Olhe com mais frieza, veja se vale a pena MESMO manter tudo como está. Não fique rolando de dor e sofrendo apenas porque acha que as coisas são como são. Ter atitude pode significar a enorme diferença entre sofrer calado porque "o mundo é assim" e um estalo em que, de repente, você descobre que dá para ser, de fato, feliz. Eliminando coisas (ou trabalhos ou rotinas - e às vezes, pessoas) que só deixam seu caminho mais triste.

Entender que o DRAMA não é a vida. A vida é a vida. O drama é só a cor cinza que a gente escolheu no começo do jogo quando nos disseram como ele deve ser jogado.

Em último caso, transforme seu sofrimento em algo mais construtivo. Escreva uma música. Pinte um quadro. Faça arte. Grite na rua. Espanque quem merece (ok, vá com calma), vire a mesa. Faça o melhor drama que puder fazer em apenas um dia. Depois, apenas siga em frente. Tem muitos caminhos mais belos por aí, a gente é que insiste que o drama é o melhor deles. Não é, não é e não é.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

A capacidade de se indignar

Coisas ruins acabam se tornando "normais" na nossa cabeça. O que era absurdo, impensável, inaceitável, passa, um dia, a ser comum. Não sei exatamente em que momento acontece. Você sabe, é tanto caso de assassinatos, torturas, crimes contra a liberdade e todos os tipos de abusos cometidos por aí que a notícia passa a ser “mais um episódio violento”, mais uma morte pra estatística do ano e um acontecimento para ser citado na retrospectiva da TV, um dos tantos temas pra conversa de elevador.

E a distância também contribui para a ideia geral de que é o outro que sofre, o outro que jamais sou eu ou alguém próximo de mim, é sempre um grupo lá longe. Com pessoas que não têm relação com nossa vida, diretamente. É até normal que uma das reações seja “ufa, não é no Brasil, não é na minha cidade, não é na minha rua". Estamos, de forma ilusória, protegidos pela ideia de que “é sempre com os outros”. É humano. E é, também, reconfortante perceber que não fomos abatidos pela tragédia que matou tantas pessoas hoje. Ainda estamos vivos, nossas famílias ainda estão nos esperando em casa.

Mas apesar de muitas vezes nos deixarmos absorver pela "normalidade" das tragédias, apesar de nos tornarmos meio apáticos, o baque coletivo existe em determinados momentos, como no caso do atentado contra a revista Charlie Hebdo, na França, onde 12 pessoas morreram. São momentos em que paramos (ou deveríamos parar) para pensar: que mundo é esse que criamos e o que estamos fazendo de errado pra que ele continue nos matando, de surpresa ou com prévio aviso, das mais diferentes formas de violência?

Mesmo que tenhamos crescido e nos acostumado com as tristezas e fatalidades da vida, a indignação precisa continuar existindo em algum lugar da gente. Principalmente se a tragédia é fruto de ação e reação humanas, sendo exatamente por isso plenamente evitável.

A indignação tem de existir em cada um, sejamos nós parentes das vítimas ou apenas leitores do outro lado do oceano, ou mesmo gente que só ouviu por alto o assunto.

Tem de haver indignação sempre que morrem pessoas, 12, 300 ou somente uma, aquela que sai sem nome no jornal (“mulher de 37 anos é baleada”; “homem de 25 anos é encontrado sem cabeça”).

Tem de haver indignação, revolta, questionamento, discussão. Temos de falar sobre o assunto, não deixar que caia na banalização do "é, isso é o mundo".

Não dá para fechar a página do site de notícias e ir tomar café tranquilamente. Quando uma tragédia com pessoas acontece, algo muda no mundo, definitivamente. Ele não será igual nunca mais, e a cada vez que uma nova tragédia acontecer, essa primeira ecoará mais e mais forte, para sempre. Mesmo que continuemos fechando o jornal e ligando a TV na novela.

São pessoas, poderia ser eu, você, meu professor, minha vizinha. Minha mãe, meu pai, meu filho. Estamos todos sujeitos simplesmente porque estamos vivos.

Quando eu estava na faculdade, um fato extremamente trágico aconteceu com a família de um amigo. Lembro que uma aluna entrou na sala e anunciou o fato. Ficamos todos meio em silêncio, perguntando uns aos outros como, onde, por quê, tentando entender. Cinco minutos depois, vi um grupo de colegas discutindo se deviam ou não ir ao cinema. Lembro que a fala de duas pessoas foi essa:
- Por quê, me diz?
- Por que o que? Coisas ruins acontecem com pessoas boas? - E caíram na risada, voltando a falar de amenidades.

E, porra, era um amigo que passava, provavelmente, pela pior situação da vida dele. Não entendi, nunca, como isso gerou, entre aquele pequeno grupo, uma comoção de alguns minutos e depois a total falta de preocupação com o fato. Como se fosse uma notícia de “acabou o pão na padaria, teremos de ir em outra”.

Ok, é possível avaliar por outro ponto de vista. Algumas pessoas não conseguem lidar com fatos trágicos e acabam fugindo pela tangente. Falar sobre o terrível, para elas, é tão ruim quanto viver algo terrível. Entendo, em partes (partes bem pequenas, confesso).

Esses tempos, conversando com uma de minhas irmãs sobre o que eu definitivamente não consigo aceitar (como pessoas próximas sendo preconceituosas e intolerantes deliberadamente), ela me disse algo que ficou martelando na minha cabeça: “Sim, você fica indignada, isso é da sua natureza, você é jornalista”. Ok, sou. Mas mais do que isso, eu sou uma PESSOA. Como não se abalar, como, como, como? Então, se vomitam absurdos na minha frente eu devo apenas sorrir, amarelo, e perguntar sobre o tempo? É menos conflituoso, claro. Mas bem mais nocivo à minha saúde mental.

Coisas que perdi pelo caminho

Talvez, é verdade, eu tenha perdido um pouco da capacidade de me indignar ao longo dos anos, tão preocupada em ocupar uma boa vaga no mercado de trabalho, evoluir, evitar problemas, manter boas relações familiares. Talvez tenha perdido a força de dizer que não posso aceitar a falta de empatia e o riso que tira a importância de um fato absurdo.

Fui deixando de dizer, aqui e ali, o que me indigna, no momento certo e em alto e bom som. Fui deixando de defender causas e questionar opiniões e atitudes. Isso me deixou menos eu e um tanto mais pobre emocionalmente.

Mas, sabe, hoje eu senti que não é preciso abandonar o bom senso pra ser feliz, e que é extremamente saudável manter isso vivo, bem vivo. Talvez eu tenha me permitido passar pelo processo de pasteurização que acontece na entrada na vida adulta, pode ser que tenha me deixado levar pela filosofia do “isso não vai mudar, mesmo”. Mas eu não gosto disso e me sinto uma imbecil nessa roupinha de mocinha conformada que quer evitar estresse. Dá pra mudar, dá pra gritar, dá pra fazer algo, sim.

Sempre dá.

E dá pra gritar “ISSO ESTÁ ERRADO, PORRA” quando algo absurdo acontece ali, na nossa frente. Aliás, espero que passemos a gritar por mudanças cada vez mais. Eu pretendo.